Tuesday, 11/09/2018

"Escolha uma empresa pela cultura e não pelo salário", diz Carlos Brito, CEO da AB InBev

Chefe da maior cervejaria do mundo comenta sua trajetória, conta como lida com a pressão e o que faz para se manter atualizado

Aos 58 anos, o executivo brasileiro Carlos Brito comanda a maior cervejaria do mundo, a AB Inbev, dona da Ambev e de marcas como Budweiser e Stella Artois. É conhecido por implementar desde 2005 uma gestão austera, focada na eficiência e redução de custos. A maior "jogada" de Brito nos últimos anos foi a aquisição da concorrente britânica SABMiller, o que abriu mercado para a empresa em países da África. A dimensão do negócio que comanda não é apenas o que faz Brito ser um dos executivos mais respeitáveis do mundo. Sua trajetória também tem grande peso nisto.

Após se formar em engenharia mecânica no Rio de Janeiro, em 1989, Brito foi trabalhar como gerente de vendas da Brahma, cervejaria controlada por Jorge Paulo Lemann. Vivenciou o crescimento do negócio, a partir de diversas aquisições, até a criação da Ambev, decorrente da fusão com a rival brasileira Antartica. O executivo também cresceu dentro da empresa e teria participação importante na fusão da Ambev com a belga Interbrew, criando a InBev, bem como na aquisição da americana Anheuser-Busch. Brito atribui parte importante de seu crescimento profissional ao período em que precisou sair da "zona de conforto" ao estudar em Stanford, bem como à cultura que a empresa criou. "Sempre escolha uma empresa motivado pelas pessoas e pela cultura e não por outros fatores, como salário inicial, cargo ou localização. As pessoas de uma empresa são o que a define" 

Você cursou engenharia mecânica no Rio de Janeiro. Em que momento da vida decidiu que queria seguir carreira como executivo?
Alguns anos depois de me formar como engenheiro mecânico na UFRJ, conheci dois colegas que estavam com planos de fazer MBA nos Estados Unidos. Até então eu não tinha ouvido falar de curso de MBA e acabei me interessando bastante. Como a ideia de estudar em uma universidade nos Estados Unidos foi sempre um sonho, resolvi correr atrás e concorrer a uma vaga em uma universidade de ponta. 

De que que forma sua passagem por Stanford mudou a sua forma de atuar profissionalmente e enxergar o mundo?
A principal coisa que aprendi em Stanford foi que eu podia competir com americanos, europeus e japoneses. Em 1987, quando fui para lá, o Brasil era um país muito fechado para o mundo. Viagens ao exterior eram muita caras. Cresci com a imagem de que o estrangeiro era, por definição, superior. Em Stanford, aprendi que trabalhando duro, eu poderia competir de igual para igual com meus colegas de países mais desenvolvidos. Isso ampliou muito meus horizontes. Lá, também entendi que esses meus colegas eram, de fato, muito bons e que a concorrência seria ainda mais intensa. Ou seja, eu teria que levantar o meu sarrafo e trabalhar ainda mais duro, se pretendesse atuar fora do Brasil.

Atualmente, ganha força no mercado a visão de uma educação executiva continuada e baseada mais em cursos de curta duração. Escolas como Singularity University e Hyper Island são muito populares. Na sua avaliação, qual a diferença entre esses cursos e os de escolas de negócios mais tradicionais, como Stanford? Como escolher entre tantas opções? 
Essa resposta varia de pessoa para pessoa. Na minha opinião, se você vai fazer um MBA, vale a pena ter a experiência completa. Em outras palavras, fazer o MBA tradicional de dois anos, numa universidade americana de ponta. A experiência da vida no campus é muito enriquecedora. A interação com os professores é fundamental e o network com os colegas muito bom. O trabalho de verão entre o primeiro e segundo ano do MBA também é uma oportunidade valiosa de aprender sobre um novo setor. Todo esse pacote representa o valor de um MBA tradicional versus um outro numa versão mais enxuta.

Você replicou, em escala global, um modelo de gestão que virou a grande marca do da 3G Capital, fundo de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Passou a lidar, em um espaço de tempo muito curto, com uma variedade muito maior de culturas e cenários competitivos. O que faz para se manter focado profissionalmente e atualizado para manter as rédeas do processo de expansão?
Fazemos sempre uma distinção entre a cultura de um país (cultura nacional) e a cultura da empresa. O que visamos é ter uma cultura única na nossa empresa, independentemente  do país no qual estamos. As culturas nacionais são importantes e temos que respeitá-las. Mas quando uma pessoa resolve se juntar a nós, tem que ser porque concorda e é apaixonada pela nossa cultura empresarial.  Nossa cultura é muito simples de enunciar, mas difícil de viver no dia a dia. É baseada num sonho grande, envolve pessoas excelentes e tem como cerne a ideia de dono. Todo estudante ou atleta de sucesso, em nossa opinião, é bem sucedido pelos mesmos motivos: tem um sonho de realizar algo grande, se cerca das melhores pessoas (técnicos, professores) e é dono do processo. Faz porque quer realizar algo grande, não porque está sendo forçado a fazer. Qualquer organização, independente de tamanho ou da sua natureza, pode se basear nos mesmos princípios. O importante na implantação dessa cultura é o comprometimento da liderança com os princípios. Em outras palavras, a cultura tem que ser vivida pelos líderes da empresa antes de qualquer outra coisa. Ou seja, é como eu disse – e como tudo na vida: simples de enunciar, difícil de viver no dia a dia. É como se manter em forma. Todos nós sabemos o que tem que ser feito: comer razoavelmente bem e se exercitar minimamente. Mas quantos de nós faz isso de forma regular? Existem muitas distrações pelo caminho e acabamos saindo do trilho. 

Você é conhecido por ser um homem de números e processos. Isso vale também para a educação? Como costuma estudar?
Como estudante sempre fui às aulas, pois achava mais prático aprender em sala de aula do que tentar recuperar depois sozinho. Prestava muita atenção e tomava nota de tudo. Gosto de ler vários livros ao mesmo tempo, mas, em geral, não leio o livro todo. Só alguns capítulos. Não leio ficção. Na AB InBev, gostamos muito de aprender com outras empresas. Por isso, fazemos visitas com frequência para aprender e trocar melhores práticas. Na nossa cultura, acreditamos que há sempre alguma outra empresa em algum lugar fazendo algo melhor do que nós e que podemos aprender com ela. O que temos que fazer é achar essa empresa e abrir o que chamamos de lacuna. A lacuna é a diferença entre onde estamos e onde essa empresa referência se encontra, em termos de uma métrica específica. O papel do management é de fechar essa lacuna em 1 ou 2 anos e em seguida abrir a próxima lacuna. Ao fechar lacunas estamos, na verdade, criando valor na nossa empresa.

Quais conselhos daria para quem está saindo da universidade e já tem plano de seguir carreira na área corporativa, seja como executivo ou como empreendedor?
Em junho deste ano, fiz o discurso de formatura na Escola de Graduação em Negócios de Stanford e tentei responder essa pergunta ao longo de 16 minutos. Basicamente, disse três coisas que aprendi ao deixar a escola de negócios e regressar ao mercado de trabalho. A primeira é sobre a hora de escolher a que grupo ou empresa se juntar: sempre escolha motivado pelas pessoas e cultura empresarial e não por outros fatores, como salário inicial, cargo ou localização. As pessoas de uma empresa são o que a define. A segunda coisa é se colocar sempre fora da sua zona de conforto. E a terceira é sobre sua motivação. Se você quer sonhar grande, comece por ter uma motivação de alto nível, uma motivação que não seja centrada em você, mas sim nas pessoas que dependem de você e das suas decisões e no mundo a sua volta. Uma motivação egoísta e egocêntrica não o levará muito longe. 

Qual o papel de um tutor na formação de um executivo? E como escolher um?
Eu sempre digo que o poder do “feedback” foi fundamental na minha carreira. Se você encontra uma pessoa, um mentor, que esta genuinamente interessado no seu sucesso e disposto a lhe dizer aquilo que você precisa ouvir - e não aquilo que você quer ouvir -, valorize essa pessoa e valorize muito. Desde que o feedback seja respeitoso e construtivo, não tem problema que ele seja duro. E mesmo que o feedback, na sua opinião, esteja apenas 80% certo, aproveite esses 80%, evolua e cresça. Sobre os 20%, tente provar com suas ações no dia a dia que a pessoa estava enganada. Na nossa cultura na AB InBev, valorizamos a sinceridade na hora de avaliar as pessoas. Pessoas de talento gostam de ouvir a verdade sobre sua performance e de ter oportunidade de trabalhar nas coisas que elas têm para melhorar.

Você é conhecido pelo estilo austero. O que o motiva profissionalmente?
Procuro estar muito próximo das operações, dos mercados e das pessoas. Gosto de visitar clientes e interagir com consumidores para ouvir a verdade como ela é. Sou focado e estou sempre procurando aprender. Gosto de estar cercado de pessoas de alto potencial que me desafiem e me inspirem a me reinventar e me atualizar. É muito importante se cercar de pessoas brilhantes, curiosas, honestas, ambiciosas, com energia positiva e otimistas.

Você é conhecido pelo estilo de gestão agressivo e atribui a pressão um papel importante na gestão de pessoas. Mas é também um executivo sob forte pressão dos acionistas. De que forma lida com pressão?
Atletas de alta performance se sentem pressionados no início de qualquer torneio. Isso faz com que eles se concentrem, se preparem e se esforcem para atender e superar as expectativas. Se as pessoas em geral esperam muito de mim, isso vai me motivar e me dar senso de urgência para continuar progredindo e entregando. Se as pessoas me criticam de forma construtiva, isso também é motivador e vai me fazer progredir, como já disse antes. E, se as pessoas me criticam de forma não construtiva, isso também me desafia pois aí vale a ideia “prove them wrong”. Claro que para lidar com as pressões do dia a dia você precisa ter uma equipe de alto nível, pois enfrentar as coisas sozinho não te leva muito longe. Além de ter uma família que o apoie.

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